Ao escrever o artigo sobre o uso de madeira nos vinhos, não consegui afastar o pensamento do “VINHO MADEIRA”, que é na verdade um vinho da madeira, ou melhor, da Ilha da Madeira.
Uma pequena ilha escarpada e vulcânica, de clima subtropical, e portando atípico para a produção de vinhos, que embora geograficamente pertença à África, contitui-se em uma província de Portugal.
Vinho de produção antiga, acredita-se ter sido responsável pelos brindes dos Norte-Americanos na assinatura da sua Declaração de Independência.
Trata-se de um vinho fortificado (de 17% a 20% de álcool) que, a exemplo do Vinho do Porto, recebe a adição de aguardente vínica em meio ao seu processo de fermentação pondo um fim prematuro ao mesmo e deixando, assim, o caldo com maior quantidade de açúcar (que deixou de ser transformado em álcool pela fermentação) e um maior nível de álcool (trazido pela aguardente muito alcoólica). A origem da utilização deste processo para o vinho Madeira se deve especialmente a razões históricas. No passado, o vinho, além de outras bebidas alcoólicas, como por exemplo o Rum, se apresentava como a única bebida “confiável” e disponível, especialmente nas navegações de longo prazo. Note-se que a Ilha da Madeira era o último “posto de abastecimento” às Naus que se lançavam ao “Novo Mundo”. Para garantir a maior durabilidade do vinho embarcado, processava-se a fortificação.
A prática, porém, apresentou resultados acima dos esperados, criando um vinho ao estilo do Vinho do Porto, com um “toque” diferente de “cozimento”. Amadurecido durante longos meses ao balanço do navio e ao calor equatorial, este Madeira tornou-se um vinho deliciosamente “rico”. Aliás os Madeira mais apreciados eram os chamados “torna-viagem”, obtidos dos barris restantes ao final da viagem, que tinham, pois, passado por um processo mais longo do referido amadurecimento. Alguns produtores da Ilha ainda mantém pequenos e antiqüíssimos estoques daqueles deliciosos vinhos que podem ser adquiridos e sorvidos com sofreguidão por aqueles dispostos a um gasto de certa exorbitância, ou por aqueles que por grande sorte são amigos íntimos dos produtores.
Atualmente são muitos os estilos e os níveis de qualidade dos Madeira. Há desde um vinho muito simples e nada recomendável ao bom paladar, que sofrem seu processo de amadurecimento “artificialmente” através de aquecimento (a uma temperatura média de 40º) em grandes tanques durante 3 a 6 meses, até os mais ricos Madeira que chegam a levar mais de 40 anos até estarem disponíveis ao consumo, representando estes não mais que 3% da produção da Ilha.
Estes Madeira de alta qualidade sofrem um processo de “aquecimento” natural, descansando nos sótãos dos armazéns que sofrem um enorme calor em razão da grande intensidade solar na Ilha, e lá permanecem por períodos ao redor de 20 anos, e às vezes por muito mais tempo ainda. Após este período, quando se considera que o vinho está pronto, ele sofrerá o processo de amadurecimento, no qual os vinhos são postos em barris (geralmente de Carvalho Americano, mas às vezes de outras madeiras como o Castanheiro de Portugal ou o Pau-Cetim do Brasil) por mais um período normalmente entre 3 e 20 anos, ou até mais. Após este amadurecimento é que os vinhos serão “cortados” (misturados entre si em proporções definidas pelo enólogo) e engarrafados, e quando o vinho for um “vintage” (vinho não cortado) permanecerá ainda por pelo menos 3 anos envelhecendo na garrafa.
Curiosamente os vinhos Madeira são produzidos a partir de uvas brancas consideradas “nobres” e sua cor deriva exclusivamente do longo envelhecimento em madeira. A exceção são os vinhos mais simples produzidos a partir da uva tinta “Negra Mole”.
As uvas brancas utilizadas nos melhores Madeira são: a Bual ( que produz um estilo medianamente rico), a Malmsey (também conhecida como Malvásia, produz vinhos de estilo mais rico, opulento e doce), a Sercial (produz vinhos de estilo seco) e a Verdelho ( produz vinhos no estilo meio-seco).
Por fim os níveis de qualidade dos madeira são assim definidos: Madeira a Granel (produzido a partir da tinta negra mole, é muito simples, “artificial” e não recomendável), Madeira de três anos (um pouco acima do anterior mas ainda feito a partir da Negra Mole de forma também “artificial”), Madeira de cinco anos ( já de qualidade bastante razoável, pode ser bem consumido a beber ou a cozinhar), madeira de dez anos ( às vezes chamados de Reserva especial, têm ótima qualidade e são produzidos a partir das “uvas nobres”), Madeira de quinze anos (ainda melhores e às vezes chamados de Reserva Extra), Solera (excelentes mas não mais produzidos pelos principais produtores) e finalmente o melhor deles, o Vintage (verdadeiro néctar acessível apenas àqueles dispostos a gastos consideráveis).